O que é um javaporco? Invasão biológica e feralização na campanha gaúcha

Autores

  • Caetano Sordi Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumo

Considerado uma das cem piores espécies exóticas invasoras do mundo, o javali europeu [Sus scrofa scrofa] tornou-se uma espécie de inimigo público número um da ovinocultura gaúcha, especialmente na linha de fronteira com o Uruguai, onde tem protagonizado histórias de predação de cordeiros e outras inconveniências de ordem socioeconômica e ambiental. Neste trabalho, a estruturação de uma rede local de manejo da espécie, envolvendo produtores rurais, órgãos estatais e caçadores é o ponto de partida para uma análise mais abrangente sobre a própria ontologia dos suínos e sua relação conosco. Embora o javali seja identificado como o indutor do processo de invasão biológica, sabe-se que as populações que assolam a região são de natureza híbrida, fruto do cruzamento – voluntário ou humanamente induzido – entre porcos domésticos [Sus scrofa domesticus] e javalis asselvajados. Destarte, o assim chamado “javaporco”, enquanto interseção problemática entre a fauna doméstica e a fauna asselvajada, borra uma série de fronteiras classificatórias e técnicas que organizam o cotidiano local. Como pretendo demonstrar, uma parte significativa das iniciativas de controle do animal diz respeito à administração do que venho chamando de “devir-javali do porco doméstico”, isto é, a possibilidade deste último se feralizar e/ou adquirir caracteres indesejados do seu ancestral asselvajado, ameaçando a estabilidade do próprio sistema suinocultor a nível nacional. Desta maneira, manejar a espécie não implica somente no desenvolvimento de estratégias cinegéticas de controle populacional e gestão do ambiente pampeano, mas também num disciplinamento da vida sexual dos porcos domésticos, o que se cruza com uma dimensão moral e de gênero etnograficamente relevante.

Downloads

Publicado

2015-05-11