De marrons a kreyòl : a chegada dos porcos ao Caribe e a gênese do campesinato haitiano (1492-1804)
Resumo
Destas ocho puercas”, afirma Bartolomé de Las Casas, “se han multiplicado todos los puercos que hasta hoy ha habido y hay hoy en todas las Indias, que han sido y son infinitos”. O comentário hiperbólico do frade dominicano relata a segunda viagem de Colombo às Índias, que, ao parar no porto das Ilhas Canárias, embarcou, junto a outros animais, oito porcas. A chegada desses animais ao Caribe foi irregular, marcada por fugas e pelo seu estabelecimento como populações ferais que acabaram se tornando animais domésticos, mas sempre de modo instável. Com a consolidação da economia de plantation, os porcos exerceram um papel importante no cotidiano de populações africanas escravizadas, participando de uma economia produtiva às margens do açúcar, constituindo o que a historiografia da escravidão chamou de “brecha camponesa”. É notável, porém, que ao tratar da agência escrava, enfatizou-se a importância da terra e do cultivo, relegando a um segundo plano a domesticação e a criação. Neste texto explorarei o lugar dos animais na constituição de paisagens históricas no Caribe e, mais especificamente, nas formulações de liberdade de populações escravizadas.