Mais coisas entre o céu e a terra do que sonham nossos signos linguísticos
Resumo
A linguística tem uma história profunda e um mito de origem moderno, embora os cientistas tratem sua ancestralidade como pré-história da disciplina, sem consequências para as preocupações atuais. No entanto, os linguistas conservam de seus precursores (já imersos no culto à escrita) a atenção voltada à palavra e suas manifestações elementais (a letra, o sentido, o signo) e estruturadas (a frase, o texto, o código). A linguística não tira os olhos da palavra ao definir a si mesma como ciência, e distingue como propriamente linguístico apenas o que é do sistema de signos. Ao relacionar língua e ator social (a sociolinguística), língua e contexto ideológico (a análise do discurso) e língua e corpo-mente (a linguística cognitiva, a psicolinguística), considera-se o segundo termo, por importante que seja na análise, extralinguístico. No entanto, explicar um fenômeno exige um processo de distinção realizado justamente na linguagem, no espaço relacional em que nós (qualquer “nós”) apontamos consensualmente para um mundo, trazendo-o para a experiência comum. Nossa tradição
local, acadêmica, de considerar o código como um sistema representacional (transmitido intersubjetivamente e armazenado individualmente), e como modelo do fenômeno da linguagem, torna surdos a nós, linguistas, para o espaço de interação em que nos movemos, privando-nos de considerar, na preocupação legítima das ciências da linguagem, os processos coontogênicos, humanos ou não, como domínios linguísticos em seus próprios termos.