“Corpo de monstro, mente de cientista”: contradições nos discursos médicos e leigos acerca do uso da testosterona como anabolizante muscular
Resumo
A biopolítica contemporânea segundo Clarke et al e Nikolas Rose é marcada por uma molecularização da vida e por um intenso recurso a biotecnologias, em especial para tratamentos farmacológicos. Essa perspectiva mantém e aprofunda a teoria hormonal do corpo descrita em Oudshoorn e Rohden, e (re)constrói os hormônios sexuais como mensageiros químicos do gênero. Torna-se então estratégico pensar como homens usuários de anabolizantes recorrem à testosterona para "esculpir" um corpo ideal que literalmente incorpora atributos característicos da masculinidade. É comum o relato de um "preconceito" das ciências médicas com a utilização de esteroides androgênicos, cujos riscos seriam supervalorizados e estereotipados, baseados num estigma que reduz o uso a uma futilidade. Em resposta, esses homens se dedicam a intensas pesquisas sobre efeitos e riscos das substâncias que vão desde o acompanhamento de fóruns da internet e publicações
especializadas até a busca por pós-graduações em áreas afins. Assim, se tornam superespecialistas,
produzindo conhecimentos paralelos e até mais aprofundados ao da biomedicina. A proibição do uso e do comércio de anabolizantes é considerada mais política que sanitária, gerando uma inversão hierárquica dumonsiana, no qual o espaço ilegítimo da ilegalidade apresenta um rigor científico e uma altíssima competência médica, nos termos de Boltanski, ao passo que o espaço legítimo do uso legal com acompanhamento médico aparece revestido de mitos e estereótipos.