Da pilha elétrica como metáfora à metáfora como informação: da eletrodinâmica e da emancipação do espírito nos escritos de Allan Kardec.
Resumo
O presente trabalho propõe a realização de uma leitura com ares de exegese dos escritos de Allan Kardec, no caso o Livre des Esprits, a partir de uma analogia que o mesmo Kardec propõe: a de que o corpo dos seres vivos tem seu melhor análogo nos aparelhos elétricos. Com o objetivo de revisitar os trabalhos recentes de Jeremy Stolow (2008, 2009, 2013), tenho como horizonte investigar não tanto a ocorrência episódica, mas natureza e a operacionalidade desta analogia. Com o objetivo de apontar a correlação entre os aparelhos da eletrostática e os projetos de emancipação do espírito encarnado - tema central do espiritismo kardecista -, intento discutir algumas propriedades da analogia enquanto tal na medida em que ela permite descrever as forças envolvidas como promotoras e como empecilhos desta mesma emancipação, o que nos leva a uma segunda questão. Compreendida como metaforização, a analogia com os aparelhos elétricos não se restringe às relações de contiguidade do fatalismo histórico próprio das narrativas sobre secularização. Se a metáfora também pode ser considerada como une vérité à faire, como sugeriu Hans Blumenberg, é porque ao
concretizar relações entre termos distintos ela opera uma forma de metacinética das analogias, no caso, eletrodinâmicas. É assim que, em plena Terceira República francesa, ser possuído por um espírito pode ser uma forma de concretizar uma metáfora cujo meio/médium técnico conjuga a emancipação humana ao progresso da Era Psicológica mediante a tradução desta nos termos da experiência sensível.