Conversando com MCs
reflexões sobre entrar em campo em meios virtuais na pandemia de COVID-19
Resumo
Este trabalho apresenta um conjunto de revisões teórico-metodológicas pertinentes para o processo de entrada em campo no âmbito de uma pesquisa etnomusicológica, iniciada em nível de mestrado durante a pandemia de COVID-19, sobre as práticas sonoro-musicais de MCs e rappers atuantes em Batalhas de MCs na Região Metropolitana de Porto Alegre/RMPA (RS). As Batalhas de MCs, eventos poético-musicais do Rap e da Cultura Hip-Hop, consistem em séries eliminatórias de duelos de rimas improvisadas, realizadas em espaços públicos centrais e contando com o protagonismo de jovens negros e negras moradores das periferias urbanas de Porto Alegre e região desde o início da década passada. A interrupção desses eventos diante da crise sanitária generalizada implicou uma consideração mais atenta ao emprego de tecnologias da informação e comunicação (TICs) no trabalho de campo, com vistas à produção de uma etnografia que problematizasse aspectos da relação entre a experiência da dimensão sonora da vida social em Batalhas de MCs e as dinâmicas contemporâneas de exclusão e marginalização urbana. Concomitantemente à maior atenção destinada às TICs por meio de debates da ciberantropologia e da etnografia e do trabalho de campo virtuais, a assimilação de uma série de deslocamentos conceituais a respeito da noção de campo, elaboradas no âmbito da etnomusicologia anglo-americana a partir dos anos 1990, conduziu ao entendimento da relação de continuidade entre as práticas sonoro-musicais desenvolvidas primordialmente de modo presencial e aquelas que, dependendo de infraestruturas tecnológicas de produção e difusão musical atravessadas por desigualdades socioeconômicas e de poder, circulam preponderantemente no ciberespaço. Se, num primeiro momento, pensava-se a observação participante das Batalhas de MCs como principal meio para a construção de uma rede de relações em campo, entendendo este como um espaço-tempo delimitado, a mudança de enfoque para o acompanhamento em plataformas de streaming e em sites de redes sociais de vídeos de Batalhas de MCs e de produções fonográficas e audiovisuais de rappers e MCs participantes de batalhas na RMPA tem facilitado o estabelecimento de vínculos interpessoais apesar do distanciamento físico, segundo uma concepção do trabalho de campo como contingente à possibilidade de produzir interações sociais – mediadas, invariavelmente, neste momento, por TICs – e de “estar em campo” como "estar em relação" mais do que "estar lá".