O corpo ecológico

Socioquímica do cuidado. Por uma abordagem integrada do parentesco, da alimentação e do regime de substâncias

Autores

  • Diego Madi Dias

Resumo

Este trabalho tem como base uma "conexão parcial" trans-indígena, cujo interesse reside em permitir uma visão microcósmica sobre o corpo e sobre o cuidado. Nesta comunicação, quero discutir uma aproximação entre o pensamento de Paul B. Preciado sobre sexo, drogas e biopolítica no livro Testo Junkie e o paradigma ameríndio da construção do corpo e da pessoa por meio do manejo de substâncias e relações. A reflexão proposta aqui não é resultado de uma pesquisa realizada, mas tem caráter programático, na medida em que busca colocar em evidência alguns pontos de contato entre o pensamento indígena e o pensamento transfeminista que podem ser úteis para uma antropologia crítica do capitalismo farmacopornográfico na modernidade. Essa crítica terá como objetivo principal requalificar a metáfora hegemônica sobre o corpo, que no pensamento dos modernos tem se perpetuado a partir da imagem do corpo-máquina. Com base no pensamento indígena (qualificado por Lévi-Strauss como uma "ciência do concreto") e transfeminista ou queer (cuja herança remonta ao feminismo materialista), quero enfatizar a pragmática do corpo como "ambiente", isto é, lugar de vida em interação no qual a materialidade está em constante produção e transformação por meio de práticas de controle e administração de substâncias que perpassam, circulam e afetam o corpo.

Nesta comunicação, procuro reunir alguns casos de modalidades de relação associadas a práticas corporais conduzidas por "substâncias" para propor um modelo de análise que possa integrar os elementos de parentesco, alimentação e regime de substâncias, incluindo os fármacos e demais drogas. O marco de questionamento sobre a relação entre o corpo e as substâncias é a introdução da terapia medicamentosa para a prevenção do HIV (Prep), no sentido de que a vulgarização do acesso às tecnologias ARV produz para a homossexualidade moderna uma consciência nova que decorre da simetrização entre o cuidado de si e o regime de substâncias em questão. O exemplo cultural e histórico da farmacontologia gay, no contexto de introdução da Prep nas políticas de gestão da sexualidade e expansão recente do chemsex (sexo com substâncias), é hoje um caso crítico para a Saúde Coletiva, por seu alcance contemporâneo nas práticas, e também pela possibilidade de renovar as teorias sobre o corpo e reorganizar os princípios epistêmicos e metodológicos de abordagem sobre a vida e sobre o cuidado.

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Publicado

2022-04-28

Edição

Seção

ST24 Tecnologias do cuidado: materialidades e afetos no compor-se com outres