Sobre o açaí no lago Capanã Grande/AM

relações sociais e circulação de valores e significados em uma cadeia de tradução

Autores

  • André Segura Tomasi
  • Mônica Celeida Rabelo Nogueira

Resumo

O modo de vida coletor, ligado ao extrativismo vegetal, sustenta relações em torno da vida comum entre espécies há milênios. Humanos e plantas criam espaços de coabitação em torno de paisagens repletas de marcas de um passado mútuo e interacionista, manifesto na longa duração pelo vestígio vivo de arqueologias, histórias, mitos e filosofias de coexistência. Parte desta interação com o mundo consiste na coordenação de grupos e sociedades aos diferentes ciclos das plantas. A relação humanos e plantas, distribuída em variações culturais diversas pelo globo, suscita interpretações diversas sobre a física e metafisica (ontologias), as regras (epistemes) e o ritmo (repetição) do mundo. A sazonalidade rítmica das plantas, para o nosso caso do açaí solteiro (Euterpe precatória), marca os tempos da vida em sociedade e os arranjos entre pessoas no lago do Capanã Grande, sul do estado do Amazonas. A venda pelas famílias e grupos extrativistas aos comerciantes da região faz com que o açaí deixe de ser apenas parentesco e aliança. Quando vendido, o fruto passa para sua ontologia mercadoria, atrelada a um valor-preço, à sua tradução econômica. O açaí é algo que carrega e circula significado, em descontinuidades e continuidades de interações que o requalificam a cada salto ao longo da cadeia de tradução. O açaí circula por múltiplos circuitos e sistemas de valoração, mobilizando ontologias, significados, modos de vida e trabalho. A ontologia e semântica culturalmente localizada (as práticas, rotinas, domínios técnicos, representações simbólicas, reciprocidade e valores) interage com os fluxos multi escalares de demanda por alimentos (mercados, estoques, contratos, indústria de transformação e consumo). Compreender como as sociabilidades florestais culturalmente localizadas interagem com fenômenos de mercado, emulando modalidades de combinações e prestações entre pessoas, é interpretar as várias possibilidades de tradução que conferem valor ao açaí ao longo de uma cadeia de dupla afetação entre humanos e plantas. Trata-se de reconhecer um percurso de significados a partir de interações que, para o nosso caso da pesquisa inclui, de um universo de possibilidades de tradução sobre o açaí, o seu valor-reciprocidade e o seu valor-preço. A hipótese formulada diz que a coleta sazonal do açaí desvela um repertório local de reciprocidade = {combinações e prestações (parentesco, aliança e trocas comerciais)} que mobiliza rotinas e práticas sazonais para a coleta e venda do açaí. A pesquisa apoiou-se em registros de campo pré-pandemia, aplicação de um formulário, na modalidade survey sobre produção trabalho e renda entre famílias de um projeto de desenvolvimento sustentável da cadeia do açaí e em pesquisa documental e bibliográfica.

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Publicado

2022-04-28