Abelhas sem ferrão em projetos de reparação na bacia do rio Doce
racionalidade científica e a continuidade do desastre
Resumo
Os rompimentos de barragens de rejeitos de mineração de ferro ocorridos nos últimos anos no sudeste brasileiro, provocaram uma série de alterações nas localidades atingidas, que reverberam em múltiplas análises dos contextos em questão. Um dos caminhos possíveis se dá a partir de considerações sobre o Antropoceno e paisagens em ruínas, na qual emergências, urgências e ressurgências estão impressas nas relações e podem ser vistas enquanto aspectos que compõem o cenário de mudanças e demandas. O texto aqui apresentado tece considerações acerca do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão em Mariana/MG, que alterou as vidas, as relações e as expectativas de futuro desde 2015 com o carreamento dos rejeitos de mineração de ferro na bacia do rio Doce. Diante desse contexto, aponta-se como as implicações do desastre sociotécnico são ampliadas e reproduzidas nas propostas de reparação apresentadas pela Fundação Renova, entidade responsável pela reparação de danos. O caso em questão está fundamentado nas análises dos documentos sobre a adoção de abelhas sem ferrão em projeto de reparação em um município na foz do rio Doce, no estado do Espírito Santo. As abelhas, e o trabalho a elas atrelado, são apresentados na implementação do projeto de reparação no eixo dos programas socioeconômicos. Essa perspectiva encontra-se validada pelo discurso científico centrado no conceito de serviços ecossistêmicos. Assim, aquilo que poderia ser compreendido como uma aliança entre atingidos, território, abelhas, meliponicultura, acaba sendo instrumentalizado por um sistema de mercado focado na noção de pagamento por serviços ecossistêmicos. Dessa forma, partindo dos ruídos, problemas e conflitos que serão apresentados pela implementação de projeto com abelhas sem ferrão, levanta-se a discussão sobre o entendimento da Fundação Renova enquanto parte da continuidade dos desastres.