Do homem aos peixes

sobre relações multiespécies na arte de Jonathas de Andrade

Autores

  • Hércules Gomes de Lima

Resumo

O texto discorre sobre relações entre humanos e animais no campo da arte a partir da obra “O peixe” (2016) do artista brasileiro Jonathas de Andrade. Investigo os engajamentos entre homens e peixes que se aproximam ao que Haraway chamou de “partilha do sofrimento”. Depois, acentuo os gestos que tensionam os limites entre as espécies. O filme se inicia por cenas de um grupo de pescadores de Piaçabuçu e Coruripe, entre Alagoas e Sergipe, chegando a diferentes trechos de pesca, onde prendem os barcos e lançam redes. Enquanto aguardam, cochilam ou observam a superfície da água. Ao capturar, os pescadores seguram o animal em seus braços e abraçam-no, observando-o atentamente até arrefecer. No final, é dado um close-up sobre os olhos de cada homem. As relações interespecíficas podem ser sumarizadas em cinco: 1) a pesca: põe em relação direta predador e presa. As técnicas empregadas para capturá-los diferenciam os agenciamentos entre homens, peixes e armadilhas; 2) o olhar: a cena final dos olhares dos pescadores, no qual este encara a lente da câmera por uns minutos, retorna o olhar ao espectador, agora participante. Argumento que os olhares desviantes marcam o encontro do homem e do peixe e evitam uma familiarização durante a morte em processo, apartando-os; 3) o abraço: o gesto ritualizado – ficcional e real  –, antes que afirmar uma resposta à necessidade alimentar, põe em jogo a transformação em curso da morte do animal, por meio de um acompanhamento gradual do sofrimento, fundamental para a interação das espécies; 4) a comunicação: por meio do silêncio, produz-se uma indeterminação, um momento-limite dos pontos de vista anteriores ao abraço. O corpo de um encontra o outro, se confortando e comunicando; e, por fim, 5) há uma partilha entre o homem e o peixe ao acompanhar seu sofrimento para confortá-lo durante o fim iminente. Compreendo o abraço como momento liminar registrado e ficcionalizado que atesta o perigo de conversão, sendo necessário uma identificação não mimética durante um período controlado entre as partes.

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Publicado

2022-04-28