O papel do diagnóstico psiquiátrico na construção do ideal de cidadão no Brasil a partir do Estado Novo até a reforma psiquiátrica
Resumo
Partindo de uma análise histórica do contexto brasileiro em relação ao encarceramento e segregação às populações historicamente marginalizadas, o trabalho tem o intento de entender qual foi o papel dos diagnósticos no âmbito médico-psiquiátrico para a reverberação da patologização principalmente de pessoas negras e homossexuais e quais mudanças desde o Estado Novo até os debates no bojo da reforma psiquiátrica foram importantes para tais construções.
No início do século XIX, após o florescimento de ideias iluministas, acontecem mudanças significativas no pensamento científico brasileiro, seja por metodologias lombrosianas ou ideologias nazi-fascistas, principalmente no que tange ao fomento da ciência e da figura do médico como autoridade de análise da realidade. Neste período é consolidada a concepção de doença mental, com o modelo biomédico enquanto detentor do poder de definir quem são os sujeitos ideais para a sociedade a partir da cisão entre o normal e o anormal. Tal contexto é fundamental para os rumos da construção social e repressão no país, demonstrando que o saber científico não está apartado dos valores e relações de poder já presentes na sociedade. Desse contexto surgem os debates do código penal brasileiro e a lógica do confinamento psiquiátrico-policial, assim como a criação do diagnóstico do “louco moral” muito utilizado quando não havia provas suficientes para o isolamento do acusado em questão.
No contexto de inauguração do primeiro hospício brasileiro, aquilo que era entendido como prática assistencial em saúde mental se resumia a internações compulsórias nos manicômios, que cresciam e se expandiram pelo país com o avanço dos anos. Dados sobre internações em um recorte dentro deste período mostram que de 1941 a 1978 o número de leitos aumentou substancialmente, sendo maior parte deles leitos privados financiados pelo estado, ou seja, criou-se um mercado de internações psiquiátricas, em especial no período da ditadura militar.
Várias instituições manicomiais foram criadas no país, estas protagonizaram denúncias e relatos de abusos, maus tratos e degradação da integridade humana em suas mais variadas formas de expressão. É possível analisar, a partir de tais casos, o perfil das pessoas “tratadas” e quais diagnósticos foram acionados para justificar sua internação para controle social em cada contexto a partir de 1930 perpassando o Estado Novo, ditadura militar até os debates gerados no processo da Reforma Psiquiátrica no Brasil.