Pandemia de Covid-19 e saúde mental

relatos do campo etnográfico

Autores

  • Yuri Coutinho Vilarinho

Resumo

No início de março de 2020, nossa pesquisa de campo estava sendo conduzida, na forma presencial, num ambulatório de saúde mental localizado no Estado do Rio de Janeiro. Em poucos dias, de forma abrupta, toda a configuração da pesquisa foi alterada, devido à pandemia da Covid-19. A partir de então, ficou claro que, se estávamos todos, em termos planetários, em um “mar turbulento”, certamente, não estávamos no mesmo “barco”, visto que vastos grupos e setores da população enfrentaram as ondas no corpo-a-corpo, ficando à mostra os privilégios que uma parcela ínfima manteve ou até mesmo ampliou. O presente trabalho tem como objetivo apresentar e discutir alguns dados etnográficos coletados entre março de 2020 até o momento atual (a pesquisa ainda está em andamento), período no qual acompanhamos o cotidiano de trabalho de uma equipe multiprofissional de saúde mental que “não recuou da linha de frente”. Além das questões pertinentes à própria pesquisa, contemplaremos algumas das dificuldades, problemas e articulações diversas produzidas no contexto de trabalho da equipe, dentre os quais destacamos: os diferentes agenciamentos configurados entre os atores humanos (pesquisador, profissionais e pacientes) e não humanos (tecnologias de acesso à internet, aplicativos, velocidade de conexão etc.), as políticas públicas (municipais, estaduais, federais), os equipamentos de segurança, as incertezas e os medos constantemente enfrentados, o trabalho presencial dos profissionais, os desafios dos que passaram a atender à distância, as emoções e os afetos expressados durante as reuniões virtuais de equipe, a apreensão permanente quanto ao “retorno presencial”, entre outras questões. Em diversas situações, percebemos que as agudizações do sofrimento psíquico dos pacientes recebidos pela equipe tornaram patente a insustentabilidade de algumas dicotomias tradicionais, como a separação entre o que é da ordem do biológico, do psíquico, do social, do individual e do político, uma vez que o vírus abala o organismo, mas produz impactos tortuosos na psique, os quais são aprofundados, sustentados e amplificados, por sua vez, por uma política oficial da morte. Por fim, fazemos alguns apontamentos sobre a percepção destes profissionais sobre a especificidade do sofrimento mental dos usuários atendidos no contexto pandêmico.

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Publicado

2022-04-28

Edição

Seção

ST15 Etnografias e Saberes Psi: naturezas, culturas, modos de subjetivação