“Os pontos cardeais e a relação com Nhanderu retã”
territorialidade mbya guarani, conflitos e distintas formas de traduzir e viver (n)a terra
Resumo
Tendo como base as interlocuções com os xamoi e jaryi na aldeia Piraí, propomos uma apresentação conjunta a respeito de narrativas da territorialidade mbya guarani e distintas formas de traduzir e viver (n)a terra, partindo do mapa elaborado por Darci da Silva Karaí Nhe'ery, em um experimento de codificação das direções de Nhanderu numa cartografia que mostra as relações de espaço e tempo entre plataformas celestes e os espíritos das pessoas em yvyrupa, na terra. Na concepção mbya guarani, a direção Leste é a principal, onde está Nhamandu amba. As quatro direções de Nhanderu indicam quatro amba, lugares sagrados de onde vem os nhe'e, espírito. O ritual do Nhemongarai é o momento de revelação do nome da pessoa, o tery, e a descoberta do amba de origem, que vai determinar a personalidade e a vocação durante a vida na terra. A cartografia de Darci da Silva é de orientação cosmológica, elaborada com o objetivo de fortalecer os conhecimentos repassados dentro da opy, casa de reza, dos mais velhos aos mais jovens. Assim o jovem sabe de onde nasce, de onde vem, de que mundos de Nhanderu ele veio, se fortalece espiritualmente através do Nhemongarai e tem orientação para viver na terra. É um mapa que não cabe no território nos termos operados pelo Estado, mas que conceitua espaço, tempo e vida mbya guarani. A histórica ausência de diálogo com povos indígenas no Brasil, resultado do processo colonizador, faz o Estado experimentar hoje a incapacidade de compreender formas indígenas de conceber territórios, a falta de articulação política e a fragilidade de documentos oficiais sobre aldeias, como no caso da aldeia Piraí. Muitos dos documentos e registros oficiais sobre a aldeia Piraí foram escritos a partir de relatos não-indígenas e muitas vezes anti-indígenas que, quando analisados mais detidamente, mostram falhas, equívocos e até mesmos pistas a respeito da presença histórica indígena na região do litoral norte de Santa Catarina, Estado no qual hoje diversas comunidades enfrentam a tentativa de anulações das demarcações das terras com base na tese do marco temporal. Buscamos na recuperação de registros históricos da aldeia Piraí, aliada a elaborações cartográficas de autoria indígena, problematizar e discutir conflitos e distintas formas de traduzir e viver (n)a terra que possam apontar para possibilidades de articulação em defesa dos direitos territoriais.