Menstruapps

da datificação de sujeitos menstruantes à biopolítica de si

Autores

  • Nicole Cristine Baumgarten

Resumo

Menstruapps são aplicativos de monitoramento do ciclo menstrual e estão presentes nas lojas virtuais para smartphones e vem sido problematizados pela bibliografia antropológica pelo eixo da gestão dos corpos com sistema reprodutor feminino na era da farmacopornografia, descrita por Paul Preciado. Este trabalho analisa textos produzidos por um dos aplicativos mais baixados nas lojas virtuais do Brasil e que também produz artigos para uma enciclopédia própria. Seguindo uma lógica iniciada no século XX pela indústria do femcare com absorventes higiênicos, os aplicativos de monitoramento do ciclo menstrual se enquadram no eixo do consumo, ocupando um papel ambíguo para os corpos que menstruam: por vezes podem vir significar facilidade e conforto, como também podem se tornar ferramentas de limitação, normatização e redução de sentidos da experiência de menstruar. O menstruapp Clue se coloca nesse cenário com uma campanha massiva em mídias sociais (Instagram, Twitter e TikTok) e com uma proposta de produção de um retorno para as pessoas que menstruam e utilizam o app, através de artigos, de acesso pago pela plataforma para smartphones. Nesse sentido, investigo que tipo de sentidos são atribuídos à menstruação e aos ciclos menstruais por essa empresa. A partir da leitura sistematizada de 150 artigos que compõem a enciclopédia do aplicativo de monitoramento do ciclo menstrual, Clue, discuto construções contemporâneas de sexo, gênero e sexualidade associados às recentes produções bibliográficas sobre capitalismo de vigilância; quantificação/datificação dos sujeitos; e a biopolítica de si. Então, demonstro a associação da gestão de si com ideias neoliberais de empreendimento, atualização de si, responsabilidade sobre si nos discursos hegemônicos presentes nas democracias liberais e na atual conjuntura brasileira. Nesse sentido, o autoconhecimento aparece de maneira ambígua no campo: se para muitas vertentes do feminismo conhecer a si própria, a própria menstruação, o próprio ciclo menstrual seria uma chave de empoderamento; para as políticas neoliberais é mais uma face da biopolítica e que toma contornos de individualização extrema das experiências corporais. Assim, este menstruapp parece ser uma tecnologia que se coloca numa importante lacuna: o que existe entre o sujeito e o corpo. Compreender o aplicativo como uma forma de mediação significa assumir sua não neutralidade e sua atuação na vida das pessoas que o utilizam.

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Publicado

2022-04-28

Edição

Seção

ST04 Sangue, técnica e multiplicidade: vazantes de menstruações diversas