Luto e luta
a resistência Guarani-Mbya diante de um empreendimento imobiliário na Terra Indígena Jaraguá (São Paulo/SP)
Resumo
A reflexão que objetivo elaborar neste trabalho busca descrever como a resistência Guarani-Mbya contra um empreendimento imobiliário nos arredores da Terra Indígena Jaraguá (São Paulo) pode ser pensada a partir das relações entre os Guarani e seres outros que humanos. Ao ocuparam o terreno, os indígenas iniciaram um processo de luta em que árvores, abelhas sem ferrão, beija-flores, vento, sol, chuva reuniram-se para desacelerar um processo de urbanização que vinha sendo feito às custas da presença e dos interesses de humanos e outros que humanos que não eram e não são previstos ou levados em consideração na arena política. A recusa dos Guarani frente ao empreendimento imobiliário pautou-se justamente, por exemplo, nas relações que engendram a vida de cedros e pessoas em uma existência compartilhada – de modo que, após o corte dessas árvores, aos Guarani coube o luto pelas irmãs mortas. Busco descrever como as árvores, sobretudo os cedros (yary), ganharam relevo central na luta contra a transformação dos fluxos vitais que circulam por meio das árvores em recurso apropriável pelo capital imobiliário. A partir de uma leitura das práticas e reflexões de meus interlocutores em relação com as ideias de Ailton Krenak e Carlos Papá, eu sugiro que a cobertura vegetal no terreno do empreendimento imobiliário não é apenas um fragmento de Mata Atlântica; mas sim, antes de tudo, nhe’ëry: uma paisagem “onde as almas se banham”, nos termos de Carlos Papá, fazendo circular o princípio vital (nhe’ë) que sustenta a vida de humanos e não humanos nesta terra. Nesse contexto, entendo que a resistência guarani não é um processo que se faz como efeito dos empreendimentos de destruição; mas sim, nos termos de Isabelle Stengers, uma “política ontológica” que nos direciona rumo a uma cartografia cósmica da cidade de São Paulo.