Entre palavras, cantos e escuta

notas sobre sonoridades guarani nos contextos entre vida e morte

Autores

  • Sandra Benites
  • Renata Abel
  • Renan Pinna

Resumo

O eixo pelo qual esse trabalho se desenvolve é o das sonoridades que rondam e são evocadas pela morte entre os Guarani. Escrito a seis mãos e com base em trabalho etnográfico entre os Avá Guarani, os Chiripá e os Guarani-Mbya no Sul e Sudeste brasileiro, atentamo-nos para três momentos do processo coletivo de lidar com a vida e a morte pelo viés das sonoridades, das ressonâncias do mundo guarani. O primeiro se caracteriza como um momento anterior à morte, que traz consigo a possibilidade de evitá-la. Relaciona-se com o aprimoramento da escuta e do sentir, condensados na raiz verbal -endu, e culmina no desenvolvimento contínuo em vida de um estado de concentração e atenção, explicitado na palavra -japyxaka, uma noção que implica uma atitude de atenção sônica e perceptiva do mundo. Desenvolver e aprimorar ambas modulações surge como crucial para tecer agenciamentos, muitas vezes no sentido de antecipar acontecimentos desfavoráveis à vida, seja consigo mesmo ou com pessoas próximas. O segundo momento a ser perscrutado é aquele durante a morte, o processo de luto que advém da morte de um parente, e tem como base a autoetnografia de Sandra Benites. As sonoridades que se evidenciam aqui são as dos xapukai, cantos-choro, especialmente naquilo que se relacionam com a noção de ogueropu’aka, um modo de suportar e se fortalecer através do canto. Além disso, destaca-se as sonoridades do riso, que integram o processo de luto através de -mbotavy, enganar/esquivar a tristeza. O terceiro momento caracteriza-se como o processo posterior à morte, onde entram em jogo os angue, espíritos que perderam a palavra e vagam pela terra, comunicando-se com os vivos apenas através do choro. Esse tipo de “silenciamento”, um outro modo de ressoar, ocorre como consequência de práticas em vida, daquele que faleceu, que destoaram das orientações do modo de vida guarani. Ainda que com essa limitação, esses espíritos mantêm agenciamentos, podendo mobilizar os angue de outros mortos para trazer pessoas vivas para a morte, por exemplo. Essas experiências, situadas em diferentes contextos, apontam para modos de cuidado com o corpo e suas afetações com outres, no sentido de composições que podem ser tanto vivificantes quanto perigosas. Isso significa que essas vulnerabilidades em questão têm a potencialidade de, por um lado, veicular curas e, por outro, desdobrar-se em adoecimentos.

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Publicado

2022-05-14

Edição

Seção

ST29 Rexistências e Cosmopolítica: modos de fazer a vida em tempo pandêmico