De “atividade meio” a “atividade fim”: trabalho de fronteira na busca da “autonomia” da perícia técnico-científica brasileira
Resumo
Desde o final da década de 1980 a ciência forense vem sofrendo transformações significativas. A introdução da identificação genética (DNA fingerprint) nos tribunais norte-americanos e britânicos desencadeou controvérsias acerca da aceitação de evidências científicas nos processos criminais (DNA wars). No Brasil, a identificação genética adentrou os processos judicias através dos testes de paternidade em meados dos anos 1990. No que se refere aos processos criminais, seu uso é muito mais incipiente. A lei 12.654, que institui os bancos de perfis genéticos para fins criminais, entrou em vigor em 2012. É neste contexto de introdução das tecnologias de identificação genética para fins criminais e de valorização da perícia técnico-científica no Brasil que esta pesquisa busca compreender como são produzidas as provas científicas nos processos criminais e como a tecnologia de governo da justiça criminal se apropria e coproduz conhecimentos e práticas científicas. Na aproximação à rede de elementos heterogêneos agenciada na estabilização das tecnologias de identificação genética no país, percebemos a importância das práticas e esforços de divulgação da atividade pericial. Esta comunicação explora as possibilidades analíticas da noção de trabalho de fronteira (boundary-work) na compreensão dos usos da ciência no contexto de valorização da perícia técnico-científica brasileira e seu papel na consolidação do chamado “novo paradigma da segurança pública”. A partir da etnografia do Seminário Nacional de Criminalística realizado em Porto Alegre, em 2012, descrevo estratégias da “economia da credibilidade” dos peritos para estabelecer fronteiras entre a atividade pericial e a policial. A prática de produção de fronteiras parece emergir para os peritos como importante condição para a perícia técnico-científica deixar de ser uma “atividade meio” do inquérito policial e passar a ser reconhecida em seu próprio fim, isto é, enquanto produção de laudos “autônomos” e “imparciais”.