Peritos e Produção de Sujeitos: Interesses e Negociações Envolvidos na Elaboração de Laudos de Avaliação Psiquiátrica em Processos Judiciais de Interdição Civil
Resumo
No processo judicial de interdição civil, fértil campo de análise para compreensão da interação entre os saberes jurídicos e médicos, cabe a um juiz de Direito, após todos os trâmites judiciais, declarar ou não a “incapacidade para os atos da vida civil” do sujeito. Na comprovação de capacidade, entra em cena o saber especialista de psicólogos e psiquiatras que - através da realização de perícias para avaliação da capacidade e elaboração de laudos - buscam auxiliar o juiz em sua tomada de decisão. O campo de minha pesquisa será, justamente, o trabalho de psiquiatras e psicólogos que tenham atuado como peritos judiciais em processos de interdição civil na cidade de Porto Alegre. Pensando a “incapacidade para os atos da vida civil” enquanto uma construção, parto da fala destes profissionais para compreender quais interesses são por eles considerados mais ou menos legítimos na produção de seus laudos. A partir da fala de meus interlocutores, percebi o quão importante é para a declaração da incapacidade que a condição do sujeito possa ser classificada em um dos códigos do CID-10 (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) da Organização Mundial da Saúde. Neste artigo proponho pensar os peritos não como “aplicadores” de uma classificação proveniente de uma organização internacional, mas sim como “mediadores” que a utilizam de acordo seus objetivos e com as particularidades do mundo local em que estão inseridos. Estes profissionais trabalham para que seu laudo seja valorizado e levado em consideração pelos profissionais do Direito que tomarão a decisão final acerca da interdição ao mesmo tempo em que se deparam com suas próprias questões em relação à ética profissional, suas militâncias e concepções acerca da noção de “incapacidade”, as quais se mostram igualmente importantes para sua atuação nestes processos.