Quando canta o Mutum? Um indicador de análise das transformações climáticas segundo o conhecimento ecológico tradicional Wapichana/Roraima.
Resumo
No cenário internacional, os sistemas de conhecimentos indígenas sobre seus territórios estão surgindo como nichos de saberes ecológicos que começam a ser reconhecidos, valorizados e apropriados em diversas instâncias políticas e científicas que debatem o fenômeno das transformações do clima. Este trabalho propõe uma reflexão sobre os resultados de um conjunto de pesquisas colaborativas realizadas em uma parceria etnográfica com Agentes Territoriais e Ambientais Indígenas na região Serra da Lua, em Roraima. Essas pesquisas sistematizaram as percepções de comunidades que vivem em três terras indígenas sobre as transformações do clima identificando suas implicações para os sistemas de caça, de pesca, agricultura e coleta dos povos indígenas, em particular os Wapichana. O objetivo deste texto é evidenciar como se constituiu um sistema de indicadores para as transformações do clima nesta região a partir de conhecimentos ecológicos tradicionais, focalizando um exemplo particular: as alterações no tempo certo de cantar do mutum. Uma referencia na marcação dos ciclos anuais a partir da astronomia indígena, o ciclo reprodutivo dessa ave surgiu nas análises Wapichana como índice das transformações climáticas e ambientais observadas nas últimas décadas. Em diálogo com a antropologia ecológica de Tim Ingold, a reflexão aqui sugerida centra-se nesta conexão entre humanos e não humanos, no caso, entre conhecedores-caçadores e o Mutum como constitutiva da percepção do ambiente nesta região. Deste ângulo, pretende-se apontar alguns aspectos da “educação da atenção” indígena que fundamentam suas análises sobre as transformações climáticas. Por fim, destacar o modo como diferentes sistemas de conhecimentos são gerados.