Controvérsias em torno de dispositivos de assistência circulatória – as dimensões políticas e conceituais em jogo
Resumo
No processo ainda quente e instável de produção de dispositivos de assistência circulatória diversos modelos e “gerações” de bombas foram e estão sendo desenvolvidas por engenheiros e médicos. Para os propósitos do argumento aqui posto compararei duas delas: a bomba de sangue ápico aórtica (BSAA) e o coração artificial auxiliar (CAA), desenvolvidas em um laboratório de bioengenharia localizado num importante hospital especializado em cardiologia da cidade de São Paulo. A controvérsia sociotécnica entre os diferentes dispositivos se expressa por meio de disputa de recursos e esforços de pesquisa, bem como dimensões conceituais. Cada um dos dispositivos aposta em recursos e soluções técnicas distintas, baseadas (ou não) em evidencias médicas a respeito da adequação do uso em pacientes com graves cardiopatias. As diferentes soluções parecem estar associadas às distintas concepções sobre corpo e natureza presentes em cada uma dessas tecnologias, instituindo diversas formas de intervenção sob os corpos. Se por um lado o “coração artificial” é uma bomba pulsátil cujo movimento reproduz as funções do coração “nativo”, a bomba de sangue ápico-aórtica é um dispositivo de fluxo contínuo, que transforma a materialidade do corpo num sentido distinto daquele produzido pelo “coração artificial”. A disputa conceitual, entretanto, se dá em nome de uma agenda política, expressa em termos de avanço e prioridade tecnológica que acompanham os desdobramentos ocorridos nas últimas reuniões da ASAIO (American Society for Artificial Internal Organs, que relaciona-se às principais empresas de produção de órgãos artificiais do mundo), na qual as bombas pulsáteis têm perdido espaço para os dispositivos de assistência ventricular de fluxo contínuo.