“Não chore, pesquise!” – Reflexões sobre sexo, gênero e ciência a partir do neurofeminismo
Resumo
A crença na existência de diferenças incomensuráveis entre homens e mulheres, assim como a suposição de que tais diferenças possuem origens biológicas, é um tema muito presente não apenas no senso comum, mas fonte de preocupação e de pesquisas de cunho científico. Levando em conta a centralidade do cérebro na atualidade, faz sentido pensar que ele seja acionado como o “local privilegiado” para explicar diferenças entre homens e mulheres. Como observa Fabíola Rohden, trata-se de uma remodelagem do dualismo de gênero e da “substancialização da diferença” – ou seja, do enraizamento do gênero em determinadas marcas corporais, através das ciências do cérebro. Assim, meu interesse nesta pesquisa é refletir sobre as relações entre sexo, gênero, ciência e feminismo, a partir da análise da produção contemporânea da neurociência a respeito das diferenças entre homens e mulheres, bem como da crítica feminista a esta produção. Interessa-me aqui as tensões entre natureza/cultura, sexo/gênero, e como elas se articulam. Deste modo, meu objeto de análise é a produção científica contemporânea de um grupo de pesquisadoras que se descrevem como “neurofeministas” e que desde 2010 organizam-se em uma rede internacional chamada NeuroGenderings, onde procuram trazer uma perspectiva feminista crítica aos estudos recentes sobre o cérebro. As neurofeministas estão engajadas em produzir uma neurociência assumidamente feminista, que se debruce sobre a materialidade dos corpos – e especialmente do cérebro –, mas que se preocupe ao mesmo tempo, politicamente, com as hierarquias de gênero. Trata-se, portanto, de um projeto de uma neurociência empírica situada, e que nos oferece relevante material analítico para refletirmos acerca dos ideais de cientificidade que estão em disputa na ideia de uma neurociência feminista – levando em conta a crença de que ciência e política pertenceriam a esferas separadas e imiscíveis, e que neutralidade seria característica obrigatória à boa prática científica.