Etnografia e loucura
implicações epistemológicas do fazer etnográfico no campo da saúde mental a partir do Hotel da Loucura/RJ
Resumo
A partir de algumas questões e problemas originados em meu trabalho de campo com o coletivo do Hotel da Loucura, pretendo ecoar aqui alguns debates epistemológicos atuais e históricos da Antropologia em torno do caráter, natureza, limites e horizontes da etnografia. A questão central levantada aqui é aquela que se pergunta pela possibilidade ou não de grafar, narrar ou interpretar, de alguma forma, a experiência da loucura ao articular duas ciências que se encontram no campo: a Antropologia e a Psiquiatria Transcultural praticada nos Teatros Rituais do Hotel da Loucura. Ao narrar sobre as negociações, impasses e alianças entres essas duas ciências, abre-se a possibilidade de coproduzir uma outra ciência que habita/inventa/cria outros mundos, realidades ou perspectivas (Roy Wagner). O “método da loucura”, em prática no Teatro Ritual, ao encontrar a etnografia, a interpela, questionando sua plausibilidade, seus limites e potencialidades. Uma Antropologia reversa (Roy Wagner) torna-se possível a partir daí, quando o coletivo do Hotel da Loucura se sente implicado em um fazer antropológico que rompe com os limites daquilo que chamamos disciplinarmente de “trabalho de campo”. No lugar de tomar os conteúdos gerados e acionados pelos participantes desse coletivo de pacientes, internos, cientistas e artistas, como metáforas ou mensagens codificadas de sujeitos conectados conosco por algum chão comum universal, proponho submeter a exame a prática de pesquisa etnográfica concomitantemente com sua prática (Paul Feyerabend), montando-a e desmontando-a. Mais detidamente, viso aqui questionar sobre o que fazer com a incomensurabilidade de mundos existente entre a Antropologia e essas outras realidades, ontologias e epistemologias que habitam o território vasto da loucura, principalmente quando falar em “etnografia” pressupõem um texto plausível, com estatuto de verdade e escrito por alguém treinado a centrar-se e descentrar-se no giro eterno em torno de sua prática narcísica. Portanto, pergunto sobre esse “basta a etnografia” (Tim Ingold), que ressoa ainda na disciplina, e sobre a possibilidade de fazer Antropologia a partir da proposta de promover uma saúde mental coletiva entres todos os seres, defendida e aplicada pelo coletivo do Hotel da Loucura.