Relação “Humano-Solo”
práticas inventivas em uma horta na zona rural
Resumo
Este trabalho faz parte de uma pesquisa de doutorado em andamento sobre práticas e materialidades envolvidas no cuidado, na qual é etnografado o cotidiano de uma comuna, autoidentificada como anarquista, localizada em um assentamento na zona rural do Rio Grande do Sul. Ao passar um período nessa comunidade, foi observado o modo como o cuidado era performado e atuado, entendendo-o enquanto não só voltado diretamente às crianças, mas a tudo que se atravessa para tornar o modo de vida coletiva possível, como a alimentação, a limpeza, a horta, tirar o leite da vaca, as reuniões políticas, a manutenção, entre outras tarefas. A partir do conhecimento sobre o funcionamento da horta - tendo em vista que o solo deste local é constituído de matéria argilosa e lençóis de água salobra, o que dificulta a prática do plantio – busca-se refletir sobre estratégias coletivas e inventivas utilizadas para torná-la possível. Para tanto, parte-se teoricamente dos feminismos neo-materialistas, conforme proposições inspiradas em Donna Haraway e Maria Puig de La Bellacasa, para analisar os modos como agentes humanos e não-humanos constroem cotidianamente e em conjunto a vida comunitária. Para contribuir com esta reflexão, parte-se também do campo da Teoria do Cuidado, especialmente do conceito de interdependência que se torna fundamental no sentido de não hierarquizarmos atividades em uma comunidade e, ainda, para não tomarmos objetos e coisas como “pano de fundo”, mas enquanto agentes que fazem e produzem cuidado. A relação estabelecida pela comunidade com a horta aponta para os modos inventivos de gerir o cultivo e de criar um meio que fornecesse alimentos para seus moradores. Essa experiência nos fornece elementos para pensar na relação “humano-solo”, na qual o solo se constitui não apenas como um “recurso”, mas como um organismo vivo que só pode existir com e através de uma comunidade multiespécies. A relação com o solo fala, ainda, de temporalidades que resistem à “rapidez” e à “eficiência”, remetendo a algumas inscrições sobre o que possa ser considerado “cuidado” e “compartilhamento de cuidado”. Tais arranjos se atravessam à ética e à política do cuidado, a partir das relações de agentes mais-que-humanos, do afeto e da criatividade, para que possamos pensar o cuidado enquanto uma prática especulativa daquilo que é possível.