O que faz um cogumelo?
Notas sobre contaminações (in)desejadas entre humanos e fungos na fungicultura
Resumo
Na produção comercial de cogumelos comestíveis, grande parte do esforço se destina a evitar e mitigar a “contaminação”, isto é, a presença de bactérias e outros fungos no substrato onde o micélio é cultivado. Ela tem efeitos devastadores para a produtividade, mas, a despeito disto e de todo o trabalho, ela é inevitável e acaba ocorrendo após alguns ciclos. Neste trabalho pretendo tencionar esta definição de contaminação com a de Anna Tsing, não apenas as contrastando, mas percebendo também as suas intersecções, ao passo em que descreverei como ela afetou o meu campo, uma empresa de cogumelos instalada por brasileiros no interior de Portugal. Lá, a contaminação provocou uma guinada, que foi tanto técnica quanto discursiva, incitando um novo modo de convivência entre humanos e fungos, que implicou o surgimento e o foco em outros produtos para além dos cogumelos frescos. Este novo enquadramento, por sua vez, flexiona a própria noção de contaminação, modificando significados, atitudes e práticas em relação a ela. Veremos aqui, portanto, como algo que seria um empecilho teve que ser remodulado para que a empresa continuasse a tentar se estabelecer, um processo de tradução, que levou a novas e curiosas formas de engajamento.