.ukiyo-e [ 浮 世 絵 ]: modos de trajetar em paisagens do mundo flutuante
Resumo
Os gatilhos promovidos por tecnologias e infraestruturas capitalistas e pré-capitalistas, modificaram e seguem modificando, em ritmo vertiginoso, as paisagens mais que humanas nas mais diversas camadas do planeta. A paisagem que se apresenta, em forma e movimento, aos olhos de quem a observa no presente, é, não raro, fruto de uma série de perturbações de origem antrópica ao longo dos tempos – das infraestruturas militares às plantations nas colônias. Do reconhecimento desse aspecto histórico, dinâmico e recursivo das relações entre os projetos de fazer mundo humanos e as paisagens multiespécies, verte um segundo momento, o da descrição das particularidades processuais que configuram paisagens específicas: contar essas estórias pode ajudar antropólogos e seus companheiros humanos a entender os motores dessas modificações – muitas vezes ocultos pela familiaridade impressa na fotografia do presente –, bem como as consequências dessas modificações na vida – e na morte – de humanos e não humanos que habitam tais paisagens. Comparar momentos distintos de um mesmo lugar no mapa, extrapolando os contornos do aqui e agora, pode ser útil a essa tarefa. Mas como trajetar por paisagens que “não existem mais”? A esta pergunta, tentarei ensaiar aqui algumas respostas. Em meu auxílio nessa deambulação transtemporal, recorro aos processos que resultaram nas descrições pictóricas da antiga Estrada de Tōkaidō, especificamente pela série de desenhos e gravuras ukiyo-e As 53 Estações de Tōkaidō (東海道五十三次之内 – 1833-1834), composta por Hiroshige Utagawa e equipe. O desenho e seus gestos, como nos ensina Tim Ingold, é versátil à pesquisa antropológica: ora como objeto, ora como método, ora como produto, ora, como diria Anna Tsing, como arte de notar. Entre outras características remetidas pelo desenho e o desenhar em campo, elenco seus ritmos processuais lentos de composição – favorecendo o que Ingold denominou de educação da atenção –, e a capacidade de destacar, com impressionante nitidez, elementos de complexas assembleias mais que humanas – seja a partir da percepção do autor, ou da imaginação de seu observador.