Fragmentos de uma história multiespecífica
“Bois selvagens” do cerrado e o povo a'uwē-Xavante
Resumo
Esta apresentação pretende narrar uma história de bois e homens, de Estado e Mercado, histórias domésticas e ferais do povo a'uwē, também conhecido como Xavante, situados no leste mato-grossense. Algumas reflexões preliminares começam a delinear redes de relações interespecíficas, interculturais interinstitucionais que se articulam em torno de um rebanho de gado da aldeia Namukura, na Terra Indígena São Marcos (município de Barra do Garças/MT), trazido nos anos 1980 para a aldeia e cuidado por funcionários da Funai até os anos 2010, quando o trabalho foi descontinuado. Este rebanho, contudo, persiste até hoje, vivendo por conta própria no cerrado e voltando para dormir no entorno da aldeia diariamente. A despeito dos argumentos dos técnicos agropecuários a favor do abate de todo o rebanho e de seu reinício com "novilhos mansos", os a'uwē aguardam a retomada da criação daqueles bois em particular. Estas narrativas articulam elementos dos "projetos de desenvolvimento" da Funai, realizados nos anos 1970 e 1980, que envolveram a criação de rebanhos nas aldeias; de relações políticas locais, infletidas na especificidade da situação em Namukura (comparada a outras aldeias e rebanhos a'uwē do mesmo período); de políticas públicas de defesa agropecuária, relacionadas a um enorme mercado internacional de exportação de carne bovina no Mato Grosso. Como servidor da Funai, minha inserção nessa rede de relações também acaba provocando algumas implicações e inflexões que gostaria de evocar brevemente durante a apresentação.