Fazer a festa, benzer a capela, fundar o lugar
Casa, patronagem e conjuros na estória de amor de Manuelzão
Resumo
“Ia haver a festa. Naquele lugar - nem fazenda, só um reposto, um currais-de-gado, pobre e novo...”. Através das palavras e temas que nos são oferecidos pela novela “Uma Estória de Amor”, de Guimarães Rosa, iremos aqui apresentar certos problemas etnográficos que surgiram de nossas pesquisas realizadas em Itaboraí (RJ) e Minaçu (GO). Nosso foco reside nas correlações entre festa e casa nas circunstâncias agenciadas por esses “lugares” que, ainda “pobres e novos”, são “só um reposto”; são ranchos, albergues ou pontos de passagem, locais de pausa, pouso ou repouso cujo caráter provisório coexiste com as ambições que buscam torná-los mais estáveis e duráveis e menos descontrolados. Interessa-nos em especial examinar como os movimentos e gestos que demarcam, singularizam e buscam fundar esses lugares (em banquetes ou benzeções, e.g.) recorrem invariavelmente a forças e materiais emanados de regiões e exteriores estúrdios e inóspitos, simultaneamente familiares e ameaçadores das ordens domésticas (as estórias e dádivas trazidas por hóspedes, mendigos ou homens-bicho, e.g.). Deslocando nossa atenção para os trabalhos pelos quais um homem celibatário (e não uma mãe ou uma família) busca, assim e aí, fundar um lugar, procuramos também um ângulo para tratar de certas proximidades “incômodas” (do ponto de vista dos pesquisadores): as práticas de nossos interlocutores se apropinquando de autoritarismos “milicianos”, diligências “empreendedoras” e truculências “neoextrativistas”.