Cultivar o invisível
A relação entre lótus e moradores de Mombuca em paisagens multiespécies
Resumo
Lótus (Nelumbo nucifera) é uma planta que nasce em ambientes alagados. A flor de lótus desabrocha apenas uma vez ao ano. Nas outras estações, manejo, consumo e produção se dão em torno dos rizomas. Sua colheita envolve imergir na lama, sentir as raízes com os pés, percorrer uma rede invisível de rizomas conectados e retirá-la delicadamente da terra com as mãos: uma tarefa artesanal, que tem o tato como um sentido primordial. Lótus e humanos têm se afetado ao longo de milhares de anos, seja no corpo ou no espírito. Nos dias atuais, em meio às grandes fazendas de monocultura de cana-de-açúcar na região de Ribeirão Preto (SP), a comunidade de Mombuca – fundada pela imigração japonesa – produziu técnicas para o cultivo de lótus, representando para parte dos agricultores uma garantia de renda e uma forma de se conectar com suas raízes. Seguindo ideias de Anna Tsing, “somos contaminados por nossos encontros; eles transformam o que somos na medida em que abrimos espaço para os outros” (2022, p. 73). Nesse artigo busco entender de qual maneira a contaminação entre lótus e humanos em Mombuca possibilitou a criação de um mundo compartilhado. Questionando por que esses agricultores plantam lótus diante das dificuldades de manejo da planta, defendo que a motivação para o cultivo não é apenas econômica, mas está relacionada com a noção de identidade e pertencimento da comunidade. Nessa direção, ao alargarmos nossa visão sobre os mundos, conseguimos enxergar as raízes que os sustentam.